Conforme dispõe a legislação previdenciária, são equiparadas a acidentes de trabalho as doenças adquiridas ou desencadeadas em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente — art. 20 da Lei nº 8.213/91. O art. 21 da referida lei equipara ainda ao acidente de trabalho a doença proveniente de contágio acidental do empregado no exercício de sua atividade.

Por outro lado, o §1º do artigo 20 determina que não podem ser consideradas como acidente de trabalho: a) a doença degenerativa; b) a inerente a grupo etário; c) a que não produza incapacidade laborativa; d) a doença endêmica adquirida por segurado habitante de região em que ela se desenvolva, salvo comprovação de que é resultante de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho.

Diante desse cenário legislativo, fica a indagação: a COVID-19, doença causada pelo novo cononavírus (Sars-Cov-2), pode ser considerada como acidente de trabalho? O INSS poderá conceder benefício acidentário espécie 91 (B-91) ao trabalhador?

A resposta não é tão simples.

Podemos dizer que, em regra, o Judiciário tem afastado a responsabilidade do empregador em casos de doenças endêmicas (Malária; Leishmaniose; Esquistossomose; Febre Amarela; Dengue; Chikungunya; Zyka; Doença de Chagas; Hanseníase; Tuberculose; Gripe A; dentre outras). O entendimento é que tais moléstias são infecciosas e comuns em certa parcela da população ou em determinada região.
Assim, seguindo essa linha jurisprudencial, podemos supor, por analogia, que as contaminações decorrentes do coronavírus seguirão no mesmo compasso. Até mesmo porque, pelo caráter de pandemia, não há como se provar – em análise sumária – que o contágio efetivamente ocorreu no meio ambiente laboral.
Todavia, não se pode deixar de alertar que, sob o ponto de vista constitucional, cabe aos empregadores zelar pelo meio ambiente laboral, observando todas as normas gerais de medicina e segurança do trabalho.

Nesse sentido, temos decisões recentes, porém esparsas, reconhecendo o acidente de trabalho em caso de doenças endêmicas, apenas quando o empregador expõe deliberadamente o trabalhador em risco (dolo) ou quando comprovada a sua negligência, imperícia ou imprudência (culpa) na manutenção de um ambiente laboral seguro:
DOENÇA ENDÊMICA. RESPONSABILIDADE DO EMPREGADOR. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. POSSIBILIDADE. Verificando-se que a trabalhadora foi deslocada, pelo empregador, para laborar em notória zona de doença endêmica (malária), daí emerge sua responsabilidade subjetiva pela lesão. No caso, a responsabilidade decorre do risco sabidamente criado pelo empregador, que ciente das circunstâncias envolvidas no negócio, ainda assim, para obtenção de lucro, submeteu os trabalhadores ao risco de contrair a perigosa doença. TRT01 – RO 0010630322014510080. Data da publicação: 27/06/2018.

Assim, diante da possibilidade de responsabilização do empregador e do momento de pandemia, entendemos prudente a adoção de medidas assertivas visando a contenção da Covid-19, não permitindo que ela se transmute no temido “B-91”, vez que a equiparação acidentária pode gerar inúmeras repercussões jurídicas: pagamento de indenização, estabilidade provisória, alteração no cálculo do Fator Acidentário de Prevenção — FAP, além de custos ao Estado.
Portanto, para gerenciamento da crise iminente, seguem algumas condutas que podem ser adotadas de acordo com ramo de atuação das empresas, o número de funcionários e as recomendações de saúde e segurança que lhe são inerentes:
• Higienização adequada do ambiente de trabalho (mobiliários, utensílios, chão e superfícies de uso comum);
• Orientação ampla dos empregados quanto às formas de contágio e as medidas individuais e coletivas de prevenção e proteção;
• Disponibilização de locais para lavagem constante das mãos;
• Entrega de EPIs (luvas, máscaras, álcool gel, etc), se necessário ao desempenho da atividade;
• Solicitação de exames para determinadas funções;
• Proibição de viagens internacionais ou para áreas endêmicas;
• Cancelamento de eventos ou comparecimento em locais públicos;
• Restrição ou suspensão do atendimento de clientes;
• Instituição de home office;
• Concessão de férias coletivas a todos os colaboradores ou para determinados setores;
• Observância das regras de afastamento, quarentena e restrição de circulação, nos termos da Lei 13.979/19;
• Ajuste por escrito com o empregado determinando que o período de licenciamento servirá como compensação das horas extras já realizadas;
• Determinação de reposição do período de afastamento, com a realização de até 2 horas extras por dia, por um período de até 45 dias (Artigo 61, §3º da CLT); e
• Não divulgação do nome dos empregados portadores do vírus e adoção de condutas de repressão à discriminação dos colaboradores doentes.

Por se tratarem de medidas emergenciais e decorrentes de força maior (art. 61 da CLT), muitas formalidades legais poderão ser flexibilizadas, como por exemplo, a anuência do trabalhador e a formalização do regime de home office por meio de aditivos contratuais, aviso de concessão de férias coletivas com 30 dias de antecedência, compensação de horas, etc.
Visando maior segurança na implantação das medidas, uma opção que pode também ser considerada é a assinatura de Acordo Coletivo prevendo, por exemplo, a suspensão contratual, a redução de salários ou de jornada durante o período de afastamento, a realização de horas extras após o retorno das atividades, etc (art. 611-A da CLT).
Lembrando que todas essas condutas devem ser adotadas sempre respeitando o princípio da razoabilidade e da preponderância do coletivo sobre o individual, da saúde coletiva sobre a lucratividade.
As empresas que adotarem medidas adequadas de prevenção e contenção da Covid-19 dificilmente serão responsabilizadas pela contaminação dos seus empregados, tendo em vista o caráter epidemiológico da doença. Sendo assim, também não sofrerão os efeitos colaterais do nefasto “B-91”.

Fonte: Revista Consultor Jurídico, 8 de abril de 2020, 6h36min

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